quarta-feira, 23 de junho de 2010

Lia Pires foi entrevistado por Germano e contou casos pitorescos e experiências marcantes em seus 60 anos de carreira

Advogado Lia Pires conversa com magistrados e servidores do TRF





O advogado criminalista Oswaldo de Lia Pires foi o convidado especial de hoje (4/12) do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, em Porto Alegre, na segunda edição do projeto “Dialogando para promover a cultura”. Ele abordou o tema “A arte de advogar: vivências”, relatando algumas experiências de seus 60 anos de carreira. O objetivo do projeto, que teve início em novembro com a presença do médico cardiologista Fernando Lucchese, é contar com a presença de uma personalidade para dividir seus conhecimentos com o público interno da corte na primeira quinta-feira de cada mês, em uma conversa semelhante a programas televisivos de entrevistas.




A presidente em exercício do TRF, desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler, abriu o evento no final da tarde, dizendo que o convidado nem precisa apresentar seu currículo porque “ele já é uma lenda aqui no Rio Grande do Sul”. Lia Pires foi entrevistado pelo desembargador federal José Luiz Borges Germano da Silva, que também leu para o bacharel as indagações formuladas pela platéia.



Currículo: ‘Advogado, advogado e advogado’



Germano contou que, no final dos anos 70, estava organizando um evento e pediu um currículo a Lia Pires – que era um dos palestrantes – para incluir seus dados nos certificados que seriam fornecidos aos participantes. A resposta foi a seguinte: “Doutor Germano, como eu vou lhe mandar um currículo que diga assim: ‘1) Advogado; 2) Advogado; 3) Advogado’? Eu não sou professor. Posso lhe fazer uma sugestão? Tire meu nome da relação de professores”. E assim foi feito, segundo Germano, “embora ele tenha feito a palestra mais brilhante”.



O entrevistado narrou alguns episódios de sua trajetória. “Às vezes tenho a impressão de que já nasci advogado, respirei advocacia toda a minha vida, meu pai era advogado”, declarou. Formou-se em Direito em 1944, mas já trabalhava desde o ano anterior no escritório de seu tio, que também era “amigo e professor”. Junto com ele, convivia muito com psiquiatras. “Comecei a me encantar com a psiquiatria e a psicologia e a me preparar para o direito penal, para enfrentar o júri, não se enfrenta um júri só com discurso”, declarou.



Batismo de fogo



A sua verdadeira estréia ocorreu quando teve de assumir um caso que era de seu tio quando ele morreu em um acidente de avião em São Jerônimo (RS), em 1950. O cliente era um homem acusado de matar o cunhado. “Naquele tempo, o réu respondia ao processo preso e recebia cusparadas quando era levado pela Polícia para o fórum”, lembrou. O tio havia conseguido transferir o julgamento da cidade onde ocorreu o crime, no Interior, para Porto Alegre, aliviando a pressão da população local. “O problema emocional é fundamental em situações como essa, uma corrente emocional irrefreável envolve as pessoas”, destacou. Na capital, o caso tinha grande repercussão na imprensa. A alegação era de legítima defesa. “Por graça de Deus e proteção do tio, fomos vencedores por unanimidade e ele foi absolvido”, recordou. “Iniciei minha profissão com uma responsabilidade de não deixar ninguém dormir. Depois, me tratavam quase como um herói.”



Lia Pires também contou um episódio pitoresco, em que um italiano de 80 anos de idade queria se separar da esposa. “Ela gastava demais comprando milho para as galinhas e ele, mão fechada, não aceitava mais aquela situação.” Contatado pelo genro do “gringo”, o advogado viu que o problema era só financeiro e encontrou uma saída para contornar o impasse. Falou para o idoso: “O senhor quer uma ação de desquite? Tudo bem, mas o senhor tem bastante dinheiro? Vai gastar bastante com honorários e cartórios”. O homem ficou de pensar no assunto e nunca mais voltou ao escritório, continuou casado. “O advogado tem o dever de buscar uma harmonização antes de ir litigar na Justiça”, pregou, afirmando que às vezes é preciso abrir mão de ganhar dinheiro para cumprir uma função social e manter uma postura ética, mostrando ao consulente que, naquele caso, a pretensão dele não é amparada pela lei ou não lhe convém.



‘Ainda vou morrer na tribuna’



O convidado, humilde, disse que nunca se sentiu em condições de ser professor e que também seria um mau juiz. “A arte de julgar é quase divina”, salientou, reforçando que gosta mesmo é de advogar. “Digo sempre para minha esposa que, quando estou na tribuna do júri, estou a caminho do céu, porque estou fazendo uma coisa que me encanta e porque um dia ainda vou morrer na tribuna”, confidenciou.



Devido a essa adoração por sua profissão, nunca quis atuar em outra área. “Durante minha vida, recebi convites muito honrosos para outras coisas, mas, como tudo em mim gritava pela advocacia, nunca aceitei.” Foi sondado, por exemplo, para ser professor e ingressar na política partidária. Também foi convidado a trabalhar com outro advogado renomado, o jurista Evandro Lins e Silva (depois ministro do Supremo Tribunal Federal), no Rio de Janeiro, mas recusou, preferindo permanecer em Porto Alegre.



Maioridade penal e desarmamento



Questionado sobre o assunto, Lia Pires declarou ser “visceralmente contrário” à proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. “É de suma estupidez, não resolve o problema, o que resolve é educação, é comida para crianças que vivem dentro de bueiros”, ressaltou. “Pela mídia, parece que o Brasil é um covil de jovens assassinos. Há jovens delinqüentes, mas o percentual é mínimo”, observou. “A sociedade precisa ampliar o amparo à infância. Essas crianças abandonadas nas esquinas, escorraçadas, amanhã podem cometer um homicídio”, alertou o bacharel.



O entrevistado também contesta o projeto de desarmamento. Para ele, o cidadão precisa ter o direito de defender a sua família dentro de casa. “O problema não é o revólver, mas o seu mau uso. Então, vamos acabar com o automóvel, que mata mais do que o revólver no Brasil”, ironizou, revelando que as facas também são responsáveis por mais mortes no país do que as armas de fogo. “Nunca, em nenhum lugar do mundo, se conseguiu exterminar a criminalidade”, lamentou.



Conselho aos novatos



Aos recém-formados, o criminalista aconselhou que não tentem abrir um negócio próprio imediatamente, porque “não entra ninguém” buscando seus serviços, devido ao mercado restrito e ao excesso de profissionais na área. “É difícil começar a advogar, tem que começar apoiado em algum escritório”, sugeriu. “Hoje, se vê muita coisa errada na advocacia, por falta de apoio e de orientação.”



“Dialogando para promover a cultura” é promovido pela Presidência do TRF e organizado pela Divisão de Seleção, Acompanhamento e Desenvolvimento (Disad) da Diretoria de Recursos Humanos do tribunal.