terça-feira, 22 de junho de 2010

ADVOCACIA PRIVADA OU PRESTAR CONCURSO PÚBLICO?

Advocacia Privada ou Concurso Público?


Várias são as dúvidas do bacharel em Direito sobre qual a melhor carreira a ser seguida ao concluir a faculdade. Além de um impasse causado sobre qual a disciplina que mais lhe agrada dentre tantas expostas ao longo dos cinco anos de curso, outra grande encruzilhada é colocada em sua vida para ser ultrapassada: qual o setor que vai merecer seus anos de estudos se é o privado ou o público? Para muitos especialistas, o que pesa nesta hora, até mesmo mais do que a vocação profissional, é a estabilidade econômica proporcionada ao advogado que exerce o cargo público, já que terá uma renda mensal fixa, independente do volume de pessoas que atender. Para outros, nada supera a liberdade de correr o risco de poder traçar seu próprio futuro, sendo financeira ou profissionalmente, proporcionada pela carreira privada.

A questão de optar ou não pelo setor público é realmente muito mais complexa do que se imagina, na opinião do secretário-geral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Cezar Britto. Para ele, não dá para desconsiderar a vocação profissional na hora da escolha, mas a comodidade também é um ponto muito favorável ao setor publico, já que atualmente existem aproximadamente 500 mil advogados inscritos na OAB e o mesmo volume de estudantes matriculados nas faculdades de Direito do País. "Vários são os motivos que levam o bacharel a pensar em qual setor terá mais segurança para desempenhar sua carreira. A criação dos juizados especiais, por exemplo, reduziu a área de atuação do advogado do setor privado. Tem também a Defensoria Pública e as ações coletivas ajuizadas pelo Ministério Público que restringem também o campo de atuação", comenta.

Britto critica o aumento desordenado de cursos de direito sem qualquer preocupação com a qualidade do ensino. Só para exemplificar, ele cita que mais de 300 instituições de ensino estão próximas do chamado acesso universal, ou seja, tem mais ofertas de vagas do que candidatos. "Ora, se a qualidade do ensino é desestimulante, parte dos estudantes busca outras opções profissionais, sob pena de comprometer sua sobrevivência", diz.

Mesmo assim, Britto é otimista com o campo de trabalho do advogado privado. De acordo com ele, há ainda muito para explorar-se e expandir-se no ramo do Direito. Uma das áreas em expansão, segundo o advogado, é o direito ambiental, pois a sociedade já não admite de forma passiva a destruição do planeta. "Também tem- se percebido um crescimento na área ligada ao Terceiro Setor, especialmente depois que a Organização das Nações Unidas (ONU) e a classe empresarial compreenderam que a tarefa de construção de uma sociedade mais justa e solidária não mais compete exclusivamente ao Estado", afirma. Outra área que vem sendo ampliada é a tributária, "especialmente para conter a fome-leoa do próprio Estado", além do setor de tecnologia, fusões e aquisições, Direito econômico empresarial e biogenética.

Para Britto, o advogado é, sem dúvida, o primeiro a interpretar a sociedade em busca da Justiça, e não há nada mais atraente do que essa nobre, espinhosa e importante função. "Como advogado que atua exclusivamente no campo das relações privadas, há mais de 20 anos, não posso deixar de registrar, sem querer ser imparcial, que é neste ramo que a advocacia melhor floresce. Não apenas pelos vários ramos de atuação (civil, penal, trabalhista, sindical, tributário, empresarial e ambiental, dentre outros), mas, sobretudo, por permitir ser o porta-voz direto da sociedade em suas lutas e reivindicações".

Apesar da a estabilidade financeira ser importante para qualquer carreira, o secretário-geral da OAB acredita que a escolha de uma profissão nunca deve ser formulada pelo critério econômico, sob pena de gerar uma futura e previsível infelicidade. "Se a escolha recair no campo da advocacia, aconselho o profissional a procurar a área que seja mais adequada à sua personalidade e à sua compreensão de mundo. Talvez esse seja o maior charme da advocacia já que é possível casar a profissão com a visão do interessado. Se o profissional tem uma veia social, pode atuar no campo do direito coletivo, do direito ambiental, nas questões agrárias, na assessoria ao Terceiro Setor. Pode-se dedicar ao ramo empresarial, ao direito tributário, penal e quaisquer outros que simbolize a defesa da sociedade. Somente não deve fazer opção por motivo econômico, pois a advocacia não é atividade mercantil", acrescenta.

Vida pública - Mesmo com as dificuldades de conquistar-se o cargo de Procurador da República, já que é realizado apenas um concurso por ano, o presidente da Associação dos Procuradores da Republica, Nicolau Dino, acredita que a estabilidade financeira - um profissional desta área inicia sua carreira com um salário de R$ 10 mil - é um dos grandes atrativos para o bacharel em Direito. No entanto, ele acredita que esse não é o único motivo que leva cerca de 12.334 bacharéis a almejarem a profissão, inscrevendo-se nos concursos. "O que atrai mesmo o bacharel é sobre tudo o ideal de transformar a sociedade e contribuir para a correção de suas imperfeições", comenta. Mas, conseguir essa proeza não é nada fácil. Apenas 230 novas vagas são disponibilizadas por ano. O quadro de profissionais também é pequeno, já que atualmente o Brasil conta com 443 procuradores da República, 61 subprocuradores-gerais e 203 procuradores regionais. "O elevado grau de dificuldade do concurso decorre da própria responsabilidade da carreira porque é preciso ter uma visão macro dos conflitos que cercam a sociedade. Por isso, o aprimoramento técnico de profissional é de suma importância", justifica.

Outro setor público no qual o bacharel também enfrenta dificuldades para ingressar é o da Magistratura. De acordo com o diretor da Escola Nacional de Magistratura, órgão da Associação dos Magistrados Brasileiros, desembargador Luis Felipe Salomão, mesmo com o número insuficiente de juizes para a demanda de trabalho, a quantidade de concursos públicos para o ingresso de novos profissionais é muito pequena. "Com certeza, ainda temos 30% de cargos para preencher que continuarão vagos devido à falta de verba do Poder Judiciário e de concursos". Atualmente, existem 15 mil juizes no Brasil, incluindo os 30% que já estão aposentados. Outra agravante, além dos poucos concursos disponibilizados no mercado, é a dificuldade de se conseguir um resultado satisfatório para ingressar na magistratura. "Precisei estudar durante um ano para ser aprovado no concurso e ingressar na carreira pública. O bacharel que deseja essa profissão deve ter em mente que precisa abdicar de um monte de outras atividades para conquistar seus objetivos. Além do embasamento jurídico, é preciso ter uma formação humanística muito aguçada, já que trabalhamos com seres humanos", acrescenta.

A estabilidade econômica também é apontada como o grande motivo para os bacharéis em Direito seguirem a carreira de Procurador do Estado, na opinião do presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo, José Damião de Lima Trindade. Mesmo reconhecendo que há uma estagnação de crescimento financeiro e profissional na carreira pública, afinal existe um topo limite no qual se pode chegar, Trindade acredita que a estabilidade de receber um salário e aposentadoria garantidos atrai muitos bacharéis. "Um procurador começa na carreira pública com um salário bruto de R$ 4 mil e termina sua carreira com o teto de R$ 17.250 sem contar os bônus por tempo de profissão, oferecida aos profissionais assalariados", comenta.

Atualmente o Brasil conta com 4,5 mil procuradores. Só o Estado de São Paulo tem 930 em atividade. Nos últimos 10 anos, foram realizados apenas três concursos públicos, nos quais foram abrigados apenas 120 novos profissionais. Mesmo com a pouca oportunidade oferecida pela carreira pública, Trindade acredita que vale a pena insistir. "Não é só o advogado que contribui para a defesa da sociedade. É muito gratificante saber que podemos atuar em vários casos de interesse coletivo e contribuir para um mundo melhor.”



A vocação fala mais alto

Mesmo tentado a ingressar na Promotoria Pública por causa da estabilidade oferecida, como sempre afirmaram alguns de seus professores da faculdade, o advogado Luiz Henrique Rodrigues Gil não conseguiu conter a sua admiração pelo Direito do Trabalho. Um dos motivos mais fortes, acredita ele, foi o fato de seu avô, o juiz classista aposentado, Daniel Rodrigues Gil, sempre falar de sua realização em defender os trabalhadores nas audiências. "Ouvia meu avô falando de suas defesas e das consultas que involuntariamente dava no portão de sua casa aos vizinhos que procuravam seu auxilio para resolver algum problema e vi que esta era a minha verdadeira vocação", afirma. Segundo Rodrigues Gil, apesar de o começo da carreira não ser nada fácil, é muito compensador saber que você está contribuindo sensivelmente para a democratização da Justiça. "É gratificante saber que um trabalhador obteve seus direitos porque fez a lei ser aplicada e desempenhou bem o seu papel", ressalta.



O começo é difícil, mas a realização profissional é muito mais satisfatória



O advogado Carlos Frederico Reina Coutinho pode ser considerado um exemplo de sucesso da Advocacia. Apesar de atuar como auxiliar de juiz nos dois últimos anos da faculdade, no mês da formatura pediu a exoneração do cargo para instituir um escritório com dois amigos. Esta decisão, segundo ele, foi muito fácil na época, apesar de não contar com nenhuma ajuda financeira dos pais nem o apoio profissional, já que ninguém na família advoga, porque sabia que era a Advocacia que realmente o fascinava. "Não vou negar que os dois primeiros anos foram uma barra e que cheguei a arrepender-me de abandonar a carreira pública por causa das dificuldades por que passamos no escritório. Muitos me diziam que eu estava trocando a estabilidade da carreira pública por um tiro no escuro. Mas hoje vejo que o meu instinto estava certo e que posso considerar-me uma pessoa realizada", descreve.

Hoje, nove anos depois do início na carreira privada, o escritório Coutinho, Mota e Vinhoti Advogados Associados conta com uma sede própria, atende grandes clientes, principalmente do setor madeireiro e papeleiro, e tem um faturamento, que ele preferiu não divulgar por receio de causar inveja a muitos profissionais que estão a mais tempo no ramo. "O dia-a-dia na Advocacia é uma questão de paixão e nada supera essa sensação. A seriedade e a perseverança com que a profissão é conduzida são os quesitos essenciais para atingir-se seus objetivos".

Mesmo que a carreira privada seja um risco para qualquer profissional que busca a estabilidade financeira, Coutinho acredita que, com convicção e com determinação, qualquer bacharel pode superar as dificuldades da profissão para conquistar seu verdadeiro objetivo. "A advocacia nos permite superar nossos objetivos. Não há limite para chegar quando o profissional advoga e quer chegar ao sucesso", completa.

Sds,
Luciana Moraes